Não entendeu a LPTM/MPL ainda? Quer que eu desenhe? Pois então, eu desenhei…
Neste post, nós analisamos a LPTM-Licença de Piloto de Tripulação Múltipla (ou MPL-Multicrew Pilot License) sob vários aspectos, inclusive como ela foi implementada em outros países. Naquela oportunidade, eu me referi à regulamentação canadense desta licença e reproduzi um diagrama, disponível na documentação do manual de treinamento da MPL daquela país, denominado “Airline Licensing Pathway” (numa tradução livre: “Caminho Crítico da Concessão de Licenças para a Linha Aérea”). Este diagrama porém, apareceu um pouco pequeno demais naquele post e em seu formato original em inglês, além de não ter sido suficientemente explorado.
Ocorre que esta ferramenta é riquíssima para entendermos como (não) poderá funcionar a LPTM em nosso país, daí a necessidade deste post, que trará uma versão maior e traduzida daquela figura, e análises mais aprofundadas do funcionamento da carreira de piloto de companhia aérea quando a LPTM é uma opção de formação aeronáutica.
O Diagrama Básico do Caminho Crítico da Concessão de Licenças para a Linha Aérea
Se uma imagem informa mais que mil palavras, um diagrama traz mais informação que mil imagens. Então, procure entender o diagrama abaixo, pois isso irá equivaler a ler um texto com mais de um milhão de palavras sobre a LPTM/MPL:
Partindo da situação de “aluno-piloto”, e querendo chegar até a condição de “comandante de linha aérea”, há duas opções possíveis:
- Pelo caminho da esquerda, efetuar a formação tradicional de “single pilot“, obtendo as licenças de PP, PC, as habilitações de MLTE e IFR, para então ingressar numa companhia aérea, ser treinado a voar no contexto de tripulação múltipla e obter a habilitação de tipo requerida (seja de B737, de A320, ATR, etc), para então chegar à posição de copíloto de uma linha aérea. Daí, obter as marcas para checar a licença de PLA e, assim que houver oportunidade, fazer a transição para a esquerda, e tornar-se comandante. OU…
- Trilhar o novo caminho da direita, obtendo o treinamento de LPTM mais a habilitação de tipo requerida pela empresa que o está treinando, e pular para o assento da direita, assumindo uma posição de copiloto de linha aérea rapidamente. Daí, seria possível evoluir para uma situação de “PLA restrito” – que nada mais seria que um “PTM senior”, já que ele não pode assumir o comando de nenhuma aeronave (essa posição nem existe no RBAC-61). A maneira como se tira a restrição deste “PLA restrito” – única forma para este profissional chegar ao comando – será abordada em seguida; por ora vamos considerar as possibilidades de transição do LPTM para a linha tradicional de formação (“single pilot“):
- O detentor da licença de PTM poderá, a qualquer momento, migrar para a linha de formação tradicional, utilizando suas certificações teóricas (o PTM possui as CCTs de PP, PC e PLA), e as horas de voo real que obteve no seu treinamento de LPTM. Se ele tiver checado o PP no decorrer deste treinamento, ele entraria direto no curso prático de PC; caso contrário, teria que checar primeiro o PP.
Basicamente, é assim que funcionam os caminhos críticos dos treinamentos tradicional e de LPTM. Mas vamos explorar um pouco melhor esse caminho do “PLA restrito” para o comando de um avião de linha aérea:
O Diagrama do Caminho Crítico do PTM até a posição de Comandante de Linha Aérea
Para um “PLA restrito” obter o direito de se tornar comandante, ele precisa tirar a restrição – que, em outra palavras, significa realizar sua adaptação para obter a licença de PC “single pilot”. Ele já possui os CCTs requeridos, mas lhe faltam “horas em comando” para tal, além das horas de treinamento específico. Este caminho ficaria conforme o abaixo demonstrado pelas linhas grossas em vermelho. Observem a figura, e depois eu retorno para meus comentários.
Vamos imaginar como isso se daria na prática. O sujeito ingressaria numa companhia aérea para ser treinado como PTM, e rapidamente ele chegaria à direita da cabine de um B737 da empresa, por exemplo. Lá, ele ficaria por vários anos, até se tornar um “PLA restrito” (ou “PTM senior”, tanto faz), e então ele e seu empregador decidiriam que é hora dele pular para o assento da esquerda. Muito bem, nesse momento, o “PLA restrito” iria para o aeroclube (tiraria uma licença para isso? como é que ficaria o seu salário nesse período?), e ficaria meses por lá treinando glissada de Paulistinha até checar o PP e o PC; pula para um Tupi e faz o seu IFR; e depois faz suas 12h no Seneca para obter o MLTE (quem é que pagaria essas horas de voo?). Checado o PP+PC+IFR+MLTE, ele voltaria para a companhia, agora como comandante. Esta seria a forma prevista no regulamento para o PTM se tornar comandante… Agora me digam: faz sentido isso???
Bem, mas antes de aprofundar a discussão sobre esta questão do PTM ter que ir para o aeroclube para se tornar comandante, vamos observar este último diagrama para analisar o processo de LPTM como um todo:
O Diagrama Estratégico/Econômico do Caminho Crítico da Concessão de Licenças para a Linha Aérea
Finalmente, observe o diagrama abaixo, que inclui algumas marcações extras para facilitar o entendimento estratégico/econômico dos caminhos críticos tradicional e de LPTM:
- O quadrado vermelho se refere à parte do treinamento custeada pelo indivíduo; e
- O quadrado laranja evidencia a parte do treinamento custeada pela empresa.
- A linha verde mostra a equivalência dos profissionais que desempenham a função de copiloto em linha aérea, tanto formado da maneira tradicional, quanto pelo treinamento de LPTM; e
- A linha vermelha mostra a diferença entre o “PLA irrestrito”, formado da maneira tradicional, e o “PLA restrito”, formado pelo treinamento de LPTM.
- A estrela Verde/A mostra a transição simples do “PLA irrestrito” para o comando, enquanto que
- A estrela Vermelha/B refere-se à transição complexa (vide diagrama anterior) do “PLA restrito” para o comando.
O diagrama segue abaixo, e em seguida eu retorno para os comentários finais, de caráter estratégico/econômico:
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Comentários finais
Inicialmente, vamos comparar os retângulos da esquerda (treinamento tradicional) e da direita (LPTM). No primeiro caso, a maior parte do custo recai sobre o indivíduo, que paga do próprio bolso sua formação de PP+PC+IFR+MLTE+Jet Training (como no “Programa ASA“), até ser contratado pela companhia aérea, que complementa com o treinamento de tripulação múltipla (CRM, etc.) e a habilitação de tipo do modelo de aeronave que o piloto for designado (curso teórico + simulador + voo de treinamento + cheque). Já no modelo de LPTM, praticamente todo o treinamento teria que ser custeado pela companhia (vide esta discussão), e ao indivíduo caberia, no máximo, arcar com os cursos teóricos requeridos pela LPTM (estes, os cursos genéricos de PP, PC e PLA), mas não faria sentido exigir que o indivíduo pagasse pelo treinamento oferecido internamente pela empresa e que só serviria para atuar como PTM na própria, que é o que o regulamento prevê. (Imagine você fazer um curso na Academia da TAM que só te desse o direito a pilotar aeronaves da própria TAM: faria algum sentido você pagar por esse treinamento?).
Assim, para a empresa ficaria muito mais caro treinar um PTM do que um PC, e só faria sentido econômico optar pelo PTM se: I)Ocorresse uma escassez extrema de PCs no mercado; ou II)O salário do copiloto/PTM fosse significativamente inferior ao do copiloto/PC. O primeiro caso, entendo ser improvável de ocorrer no Brasil (no curto e médio prazos, impossível); e o segundo, reputo impraticável por restrições legais, já que não se pode pagar salários desiguais para trabalhadores que desempenham funções idênticas – e um copiloto/PC faz a mesma coisa que um copiloto/PTM. Já para o indivíduo, até poderia haver uma vantagem inicial para a LPTM, pois chega-se à cabine de um avião de companhia aérea de maneira muito mais rápida e barata. Só que, após algum tempo, este profissional enfrentaria sérias dificuldades para conseguir progredir na carreira, já que atravessar a ponte do “PLA restrito” para o comando implicaria em gastar tudo o que se economizou previamente. Além disso, o PTM estaria privado de obter uma colocação em toda a aviação geral, sem contar com o problema da “fidelidade empregatícia”, discutida neste post. Desta forma, a LPTM não seria um bom negócio nem para as companhias aéreas, nem para os próprios pilotos!
Em resumo, é o seguinte:
Quanto mais eu estudo a LPTM, mais eu confirmo ser esta uma licença sem sentido prático – embora seja muito bonitinha em termos teóricos. A não ser que o cenário de mão-de-obra especializada da aviação mude radicalmente, não vejo como esta licença possa ser uma opção viável no Brasil. Mas o mais incrível é que a própria ANAC desenvolveu um programa de formação expressa de pilotos muito mais inteligente, que é o apresentado neste post aqui, para a formação de PCHs para atuar na operação off-shore. Basta adaptá-lo para a operação da asa fixa e para as necessidades das companhias aéreas, e resolve-se o problema de maneira elegante e sem recorrer à alquimia da LPTM. Pena a ANAC não conhecer o que ela mesma faz de bom…
Daniel
8 anos agoSE isso for realidade um dia, será o fim do emprego de co-piloto(o que existe hoje) na LA.
Para a empresa não compensa treinar um copila tradicional, terá sempre um mais em conta (o MPL).
Gustavo Franco
9 anos agoExcelente artigo!!
Enderson Rafael
9 anos agoNossa, que salada! Mas sua explicação foi extremamente didática e mostrou a ideia mirabolante. Bom, a ANAC deve achar que vai faltar piloto pra inventar isso – nesses moldes. E no Canadá, como funciona? PS: em tempo, ficar preso a só uma cia num cenário turbulento e efêmero como o da aviação é suicídio profissional, na boa…
Athos Gabriel
9 anos agoVamos esperar pra ver então. Vi 90% dos cmtes de l.a. dizer que seus copilas com essas licenças só baixarão trem de pouso e flap…
Raul Marinho
9 anos agoAí que tá… Eu acho que os PTMs nem chagarão a existir!
Mario Ettiopi
9 anos agoEssa eu acho q a maioria sabe mas diante dos fatos vale a pena ver de novo (rs)
A N A C.
ALEM de NÃO AJUDAR, COMPLICA (…)